A Onça Pintada
SESSÃO DE CONTOS: Por que?
Contos da tradição oral, muito presentes no repertório de algumas comunidades
narrativas brasileiras, essas histórias apresentam uma significativa estrutura da cultura
de matriz africana. Retextualizados para as sessões do grupo de Contadoras de
Histórias, essas narrativas apresentam uma significativa componente de humor e trazem
animais como protagonistas dos enredos, de forma a justificar sua aparência física,
comportamento ou integração com outros do seu habitat natural.
Todos os contos começam com uma questão que é respondida até o final da história e
terminam sempre com o seguinte verso:
O conto respondeu a pergunta
E se não querem acreditar
Contem outro que possa explicar
Por que a Zebra tem listas?
Há muito e muito tempo, não havia zebras no mundo, nem mesmo no grande continente
africano, só havia burros.
Os burros, como sempre, trabalhavam, trabalhavam, trabalhavam pesado todos os dias.
Não tinham tempo para brincar e nem para descansar, carregavam fardos pesados de cá
para lá o dia inteiro. Os Burros puxavam carroças e levavam pessoas e mercadorias a
longas distâncias. Aborrecidos porque nunca ninguém os agradecia pelo seu trabalho, e
ainda por cima os acusavam de pouco inteligentes, um grupo de burros reuniu-se para
encontrar uma solução que pudesse acabar com aquilo.
Ficaram sabendo da existência de um velho sábio, que diziam saber falar com os
animais. Segundo anunciavam, o velho tinha uma solução para qualquer situação. O
grupo de burros e resolveu, portanto, consultar o velho sábio, ao chegarem na Aldeia
indicada, foram até sua cabana e lhe contaram sobre o seu aborrecimento. Os Burros
foram ouvidos atentamente pelo velho sábio que franziu a testa e pensou, pensou e
acabou por concordar com os burros. Realmente eles trabalhavam muito duro e ninguém
os agradecia, e ainda os acusavam de pouco inteligentes.
O sábio resolveu ajuda-los. Depois de muito refletir, teve uma ideia: - Vou pinta-los para que os homens não mais os reconheçam, disfarçados de outro
animal qualquer, não serão mais capturados e obrigados a trabalhar sem
reconhecimento.
Os Burros, deram saltos de alegria, e o velho continuou: - Eu os pintarei e ninguém jamais saberá que são burros, pronto!
O velho sábio foi procurar tintas em seus guardados no funda da cabana. Procurou,
procurou, procurou e encontrou apenas duas latas de tinta, uma na cor branca e outra
na cor preta. Regressou a casa com as latas de tinta e começou a pintar os burros.
Primeiros pintou todos com tinta branca, como era um excelente pintor, foi desenhando
listas pretas sobre a tinta branca, quando terminou, os burros não pareciam mais burros.
O velho ficou tão feliz que disse animado: - Vocês estão lindos, nem parecem com burros, acho que vou chama-los de Zebra.
Os antigos Burros, agora Zebras, saíram alegres a pastar pelo campo. Ninguém
atrapalhou seu passeio e já não precisavam trabalhar tanto, ao invés disso se deitaram
na relva e adormeceram.
Passado pouco tempo, outros burros viram as zebras e perguntaram de onde elas eram.
As zebras, que no fundo eram burros, rapidinho contaram o segredo. Todos os outros
burros correram a casa do velho. - Por favor velho, faça-nos zebras também, nós não aguentamos mais trabalhar tanto.
E foi assim que o velho pintou mais e mais burros. A noticia se espalhou tanto que
quanto mais o velho pintava, mais burros apareciam a sua porta.
Porém, ele já não era mais um menino, não conseguia trabalhar tão depressa, foi assim
que os burros começaram a ficar impacientes, queriam logo ser transformados em
zebras, e, aborrecidos, foram pisoteando o chão com muita força, dando coices para
todos os lados e urrando muito alto. A bagunça se formou de tal maneira que derrubaram
as latas de tinta, tudo aquilo foi ao chão. Assim findou-se a pintura de burros!
Os que já haviam sido pintados correram para juntar-se às outras zebras que pastavam
livres e alegres. Já os burros impacientes, não foram pintados pelo velho, tiveram que
continuar sendo burros e voltar ao trabalho.
Desde então é assim, todos os descendentes desses antigos burros pacientes, são
zebras listadas que continuam pastando tranquilamente por aí.
Pontanto, quando virem um burro trabalhando e uma zebra pastando, lembrem que a
paciência é a mãe da ciência. O conto respondeu a pergunta.
E se não quiserem acreditar,
Contem outro que possa explicar
Por que o Morcego só voa a noite?
Há muito muito tempo, os Morcegos voavam alegremente também durante o dia,
até que um dia, tudo mudou. Houve uma grande guerra entre os animais que voavam e
os que caminhavam sobre a Terra, ou seja, ocorreu uma disputa entre as aves e o
restante dos animais que povoam as florestas, savanas e montanhas.
Naquela época o Morcego, esse estranho bicho, que mais parece um rato provido
de poderosas e grandes asas, levava uma vida mansa, voando de dia por entre as
árvores, a cata de frutos maduros e bebendo água fresquinha no riacho.
Os Morcegos voavam tranquilamente tanto durante o dia, como durante a noite.
Porém, numa certa tarde, um Morcego estava descansando de cabeça para baixo,
pendurado no galho de um Carvalho, quando foi despertado pelos trinados aflitos de um
passarinho: - Atenção, atenção, atenção. Atenção todas as aves! Foi declarada uma guerra aos
quadrúpedes, todos que possuem asas e sabem voar devem se unir na luta contra
os bichos que andam no chão.
O Morcego ainda estava se refazendo do susto, um pouco ainda sonolento, quando a
Hiena passou correndo e uivando aos quatro ventos:
- Vai começar a batalha! - E agora? Perguntou a si mesmo o Morcego. E eu, que não sou nem uma coisa nem
outra? - Indeciso e sem saber a quem apoiar, o Morcego resolveu aguardar o
resultado da luta bem escondidinho: - Eu é que não sou bobo. Vou me apresentar ao lado de quem estiver vencendo a
batalha. - Tomou essa decisão e escondeu-se no oco que havia no tronco do
Carvalho. Depois de dias escondido entre as folhagens, só ouvindo o trinado da
batalha, viu um bando de animais fugindo em carreira desabalada, perseguidos por
uma multidão de aves que distribuia bicadas a torto e a direito.
Os donos de asas, beneficiado pela visão privilegiada, estavam vencendo a batalha.
Vendo isto, o Morcego voou rapidinho para juntar-se às tropas aladas. Uma águia
gigantesca, ao ver aquele rato com asas perguntou:
- O que você está fazendo aqui?
- Não está vendo que eu sou um dos seus, veja! - Disse o Morcego abrindo as enormes
asas. - Vim o mais rápido que pude para me alistar. - Disse com a voz firme que todo
mentiroso tem. - Oh camarada, queira me desculpar. Seja bem-vindo a nossa vitoriosa esquadrilha!
Na manhã seguinte, tudo mudou, os animais com patas e sem bico, reforçados por uma
manada de elefantes, e com o apoio de girafas, essas sim, possuem uma visão
privilegiada. Reiniciaram a luta e derrotaram as aves, espalhando pena pra tudo quanto
era lado. Era pena colorida, pena branca, pena pequena, pena grande. Olhe, era tanta
pena que dava pena.
O Morcego, vendo aquilo, fechou rapidinho as asas e foi correndo todo
desengonçado se unir ao exército vencedor. - Quem é você? - Rosnou um leão. - Um bicho de quatro patas como vossa majestade. Respondeu farsante exibindo as
patas curtinhas e os dentinhos afilados. - E essas asas? - Interrogou um dos elefantes. - Deve ser um espião. - Foi logo avisando a Zebra. - Fora daqui! - Berrou o elefante num gesto ameaçador.
O morcego coitado, sem pertencer a nenhum dos lados, não teve outra solução e passou
a viver isolado. Até hoje, todos os seus decendentes desse tal Morcego indeciso, vivem
escondidos durante o dia em cavernas, igrejas, castelos, casas abandonadas e lugares
escuros. Tudo pela sua covardia e falta de coragem de assumir uma posição. Por esta
razão, até hoje, o Morcego só voa a noite.
Sabem qual é a lição? É preciso coragem pra tomar uma decisão!
O conto respondeu a pergunta.
E se não quiserem acreditar,
Contem outro que possa explicar
Por que o cão foi morar com o homem?
O cão, como todos sabem, é o melhor amigo do homem, mas nem sempre foi assim. Ele
antes não vivia nas casas com os seres humanos. Há muito e muito tempo, o Cão vivia
no meio do mato com seus primos: o Chacal e o Lobo.
Eles brincavam de correr pelas campinas sem fim, matavam a sede nos riachos,
caminhavam alegres pela mata, caçavam juntos e faziam sempre tudo juntos. Porém, por
todos os anos, antes da estação das chuvas, os primos tinham dificuldades para
encontrar o que comer. A vegetação ficava escassa, os rios perdiam boa parte da água,
dessa forma, encontrar qualquer alimento se tornava uma tarefa muito difícil.
Os primos tinham muita dificuldade para viver ali naquelas condições quando chegava a
época da seca. Muitos animais acabavam fugindo em busca de outras paragens.
Um dia, famintos e ofegantes, os três primos: o Cão, o Lobo e o Chacal, com as línguas
de fora por causa do forte calor, sentaram-se a sombra de uma árvore para tomar uma
decisão: - Um de nós precisa ir a Aldeia dos homens para apanhar um pouco de fogo. - Disse
o Lobo que era o mais velho do grupo. - Fogo? - Perguntou o cão que não tinha muita experiencia já que era o mais novo do
grupo. - Sim, fogo para queimar o capim e comermos gafanhotos assados. - Respondeu
Chacal, já com água na boca - E quem vai buscar o fogo? - Tornou a perguntar o Cão. - Você! Responderam juntos o Lobo e o Chacal. - Você que é o mais novo.
De acordo com algumas culturas africanas, os mais jovens devem plena obediência aos
mais velhos. O cão, que nesse caso tinha a menor idade dos três, não teria outro jeito, já
não poderia desobedecer a ordem dos mais velhos. Portanto, teve que fazer a cansativa
jornada até aldeia, enquanto o Lobo e o Chacal ficaram descansando no alto da
montanha, embaixo de uma árvore. É assim que é a lei!
O Cão correu e correu até o alcançar o cercado de espinhos e paus de uma das casas
da aldeia onde viviam os humanos. Para proteger a aldeia, os homens constroem cercas
com medo de serem atacados.
Ao aproximar-se de uma das cabanas sentiu um maravilhoso cheiro de comida. O Cão
pulou a cerca e aproximou-se devagarinho, quando chegou à porta que estava
entreaberta, viu uma mulher com objeto estranho em cima do lume e mexia com um
passinho enquanto cantarolava. O cão ficou muito admirado, nunca havia visto uma
panela, uma colher e muito menos alguém a preparar comida. Era tão bonito como ela
cantarolava e de vez em quando soprava, o sopro da mulher espalhava faiscas do lume e
ele achou tão bonito, parecia o céu estrelado que via lá do alto da montanha.
A mulher estava preparando um mingau de milho e nem se importou com a presença do
Cão. Depois de algum tempo, ela alimentou o seu filhote que estava sentado no chão,
ele ficava todo animado cada vez que a mãe levava um porção daquela comida cheirosa
à sua boca.
Quando terminou de alimentar o filho, a mulher raspou o vasilhame e jogou o restante do
mingau no chão para que o Cão se servisse. Ele, tão esfomeado que estava, devorou
tudo e adorou. O mingau era mesmo muito gostoso. Enquanto o Cão comia, o filhote de
humano aproximou-se dele e começou a acariciar o seu pelo e ria, ria, ria muito.
O Cão pensou, pensou e disse a si mesmo: - Eu é que não volto mais pra montanha. O Lobo e o Chacal vive a me dar ordens. Aqui
não falta comida e humanos gostam de mim, principalmente os filhotes deles. De
hoje em diante vou morar com os homens, posso retribuir ajudando a tomar conta de
suas casas e alegrar seus filhotes.
E foi assim que todos os descendentes desse Cão passaram a viver junto com os
homens. E até os dias de hoje, o Lobo e o Chacal vivem uivando bem distante, já
ouviram? Sempre que ouvirem um uivo na escuridão, só tem uma razão, é o Lobo ou
Chacal a procura desse primo fujão.
O conto respondeu a pergunta.
E se não quiserem acreditar,
Contem outro que possa explicar
Por que o Camaleão muda de cor?
Essa história aconteceu há muitas e muitas luas. A Lebre e o Camaleão eram amigos
inseparáveis, moravam na mesma rua e só andavam juntos, caminhavam juntos,
passeavam juntos e trabalhavam juntos.
Naquele tempo, parte do interior do continente africano era percorrida a pé por longas
caravanas de mercadores. Eles carregavam caixotes, trouxas e cestos na cabeça, todos
repletos de cera e borracha. Sua jornada era pra trocar cera e borracha para por panos
nas vendas de comerciantes que ficavam nas vilas junto ao mar.
Certo dia, a Lebre o Camaleão resolveram entrar no negócio, e tão logo ouviam o cântico
e o alarido dos carregadores, se arrumaram rapidamente para seguir atrás deles. Os dois
amigos trabalhavam também na troca de cera e borracha por tecidos coloridos. Eles
gostavam muito de fazer negócios, carregavam suas pequenas trouxas, caixinhas e
cestos minúsculos nas suas cabeças minúsculas, marchavam na retaguarda das alegres
comitivas de mercadores.
Essas grandes comitivas atravessavam os desertos durante todo o dia, e quando a noite
caia, sentavam-se junto ao fogo para ouvir as histórias que eram contadas pelos mais
velhos, enquanto descansavam da longa caminhada. Os carregadores traziam guizos
presos aos tornozelos, e quando andavam a barulheira era imensa: tlim, tlim, tlim. O
tilintar era usado para afugentar as feras selvagens do caminho.
A Lebre e o Camaleão também tinham guisos como os outros mercadores. A Lebre, era
sempre muito apressada, fazia tudo correndo, e os mais sábios sabem que a pressa não
tem um bom serviço. Eles ensinam que fazer as coisas correndo às vezes não resulta
muito bem. Mas a Lebre não sabia, e assim que chegava na loja a beira do mar, ela
trocava rapidinho a sua cêra por tecidos multicoloridos e dizia para o camaleão:
_ Já estou indo, já estou indo, tenho muita pressa. - A Lebre avisava e sumia pelo
deserto afora.
O camaleão olhava calmamente sem entender o porque de tamanha pressa da sua
amiga e muito calmo respondia: - Não tenho pressa. Prefiro fazer um bom serviço.
Dizem que a Lebre, de tão apressada, acabava por deixar cair os panos coloridos por
todo o caminho. E o Camaleão, com calma e cuidado, podia escolher as cores mais
bonitas para os seus tecidos.
Quando os bichos pararam de falar com os humanos, foi concedido a cada um deles o
direito de escolher o tecido da sua pele. A Lebre, muito apressada, até hoje veste esse
pano roto e desbotado. Já o Camaleão não, como fez seu serviço com todo o cuidado,
possuía muitos tecidos no dia da escolha, e até hoje, cada descendente seu que
caminha sobre a Terra, seja onde estiver, pode vestir-se da cor que quiser.
O conto respondeu a pergunta.
E se não quiserem acreditar,
Contem outro que possa explicar
SESSÃO DE CONTOS: ONÇA É BICHO BRASILEIRO
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